A roteirista Amanda Aouad, roteirista, especialista em cinema e mestranda em comunicação pela UFBA (linha Análise de Produtos e Linguagens da Cultura Midiática), foi uma das colaboradoras na reportagem sobre política e telenovela e conversou com a gente sobre realidade e ficção, a influência de um personagem político na vida real, além de comentar sobre os personagens escolhidos para análise na reportagem. Confira abaixo a entrevista ping-pong que serviu de base para a matéria:
• Como a presença de um político influencia no desenrolar de uma novela?
Depende do político e da trama. Um político em uma telenovela é mais um personagem e irá influenciar independente do seu cargo, e sim de sua construção e ligação com a trama (se principal, secundária, etc)
• Que tipo de influência um personagem desses pode ter na vida real?
Neste caso, a resposta também é relativa. Pesquisas apontam que as telenovelas influenciam o comportamento do brasileiro, mas eu não daria tanto poder à televisão. Um político em uma telenovela, a depender de sua construção, foco, importância pode ser apenas um mero entretenimento ou ajudar a levantar questões éticas e práticas, como foi o caso do Senador Caxias em O Rei do Gado ou Sassá Mutema em O Salvador da Pátria. O primeiro, totalmente ético, levantou questões sobre o político ser corrupto, não trabalhar, etc. Uma cena emblemática do senador discursando para um plenário vazio foi alvo de protesto por parte de Brasília que se incomodou com as críticas. Já em O Salvador da Pátria, o Sassá Mutema era uma homem do campo que é transformado em político e se corrompe, muitos criticam à época como sendo uma campanha da Rede Globo contra Lula, então candidato das eleições de 1989. Mas, não é possível determinar até que ponto o personagem influenciou na votação.
• Falta ou sobra realismo nos políticos da dramaturgia?
Esta é outra pergunta relativa, porque depende da trama. As telenovelas tendem cada vez mais a ser realistas, então, personagens como Caxias, Romildo Rosa (A Favorita) ou Reginaldo (Senhora do destino) possuem uma construção realista, de personagens complexos. Já nas tramas rurais de Aguinaldo Silva (chamadas realismo fantástico) o político é sempre um personagem caricato.
Em O Rei do Gado, por exemplo, o senador Caxias rompeu todas as barreiras entre o real e a ficção. A discussão foi para as ruas e no enterro do personagem estiveram presentes Eduardo Suplicy e Benedita da Silva, os dois políticos atuaram em cena, dando depoimento sobre o caráter e importância do senador fictício como se ele existisse de fato. Era uma metáfora, de repente, de um ideal político.
• O personagem de Milton Gonçalves em A Favorita foi um dos primeiros, se não o único, político negro a ser retratado numa novela. Envolvido com corrupção e venda de armas, era considerado um verdadeiro canalha. A presença dele foi bem aceita na novela?

• Odorico Paraguaçu foi, sem dúvida nenhuma, um dos políticos mais reconhecidos dentro da dramaturgia. A que pode ser atribuído o sucesso do personagem? Ele encarna o coronel (líder político rural) de forma irônica?
Os maiores responsáveis pelo sucesso do personagem são: o autor Dias Gomes e o ator Paulo Gracindo. Dias Gomes veio do teatro e desde que chegou à televisão veio com a proposta de textos politizados. O Bem Amado foi um marco na teledramaturgia brasileira. Primeira telenovela a cores tinha um grande elenco e um texto muito bom. O estilo irônico é um dos elementos, mas não o único responsável pelo seu sucesso. O principal é que é um personagem carismático (como todo político), bem construído e assessorado. O sucesso foi tanto que voltou como uma série na década de 80 e agora estará nos cinemas como um filme (com Marco Nanini como protagonista).
• A maioria dos políticos é representada nas novelas como corruptos. Isto é positivo para o imaginário, por ser uma crítica? Ou é negativo, porque faz o eleitor aceitar este perfil?
Mais uma vez tocamos na questão de até que ponto uma telenovela influencia o telespectador. Não sou muito a favor da teoria do cultivo (teoria elaborada por George Gerbner sobre a influência da televisão na vida das pessoas), mas há um senso comum de que político é corrupto no Brasil. Antes, os personagens eram caracterizados de forma maniqueísta (bons ou maus). As telenovelas rurais sempre têm um prefeito, deputado, etc, compondo a cidadezinha onde passa a trama e em sua maioria realmente é corrupto (podemos lembrar de várias, como Roque Santeiro, A Indomada, Fera Ferida, Tieta, Porto dos Milagres...). Uma novela dessa linha que não fugiu ao estereótipo foi Pedra sobre Pedra, onde Murilo e Pilar eram políticos não corruptos. Em Tieta, temos o contra-ponto do Coronel Arturzinho com o personagem Ascânio que era um aspirante político totalmente ético e interessado no progresso de Santana do Agreste. É importante ressaltar, que todos esses políticos no final da novela ou tem sua redenção ou são punidos. Logo a moral prevalece.
Agora, as tramas urbanas têm se demonstrado mais complexas, quando um político é retratado, não há um estereótipo pronto. Ele entra na trama com questões a serem discutidas. Vimos isso em Duas Caras, onde os contra-pontos eram fortes (Juvenal Antena x Evilásio). Eu não colocaria o fato, então, tão determinista como positivo ou negativo. Acho que a discussão é sempre válida.
• Você poderia dar seu comentário sobre os personagens Odorico Paraguaçu, Roberto Caxias e Romildo Rosa?
Odorico Paraguaçu – O prefeito de Sucupira é a caricatura perfeita do senso comum em relação ao político brasileiro. Uma boa construção aliada a uma boa interpretação que gerou um ícone da televisão brasileira.
Roberto Caxias – O senador é um protótipo de político ideal. Honesto e ético, acredita em seus ideais e trabalha por um país melhor. Marcou principalmente pela ampliação do debate sobre o tema.
Romildo Rosa – Apresentado a princípio como um estereótipo do político corrupto. Mas, com o decorrer da trama foi demonstrando traços de um personagem complexo, que ama os filhos, tem uma mulher ideal, tanto que foi se transformando aos poucos e, no final da novela, teve sua redenção. Pagou por seus crimes e se tornou uma pessoa melhor.
• Quais outros personagens políticos das telenovelas você julga marcante? Por quê?
Além de todos que já citei, queria ressaltar a importância do ano de 1989. Primeira eleição direta para presidente após a ditadura, Collor x Lula. Na televisão tínhamos duas tramas O Salvador da Pátria e Que Rei Sou Eu? Em o Salvador da Pátria, um homem simples do campo, Sassá Mutema, é envolvido em vários golpes e se torna um político corrupto. Em que Rei Sou Eu? há uma paródia ao Brasil através de um reino distante, onde os conselheiros da rainha são corruptos e um falso rei é apresentado ao povo, enquanto o verdadeiro herdeiro, Jean Pierre luta contra as injustiças locais e sonha em assumir a coroa para salvar a todos. Os dois personagens foram associados pela crítica aos candidatos principais daquela eleição: Lula = Sassá Mutema, Collor = Jean Pierre. Até o discurso final de Jean Pierre no último capítulo começa com “vencemos, minha gente”. “Minha gente” era o bordão de Collor. Não há como afirmar que as duas tramas tenham influenciado o resultado das eleições, mas que as caracterizações e intenção da Rede Globo são claras, isso são.
Uma novela do Lauro que não citei é Escalada (na Rede Globo), que teve um remake na Rede Record recentemente com o nome Cidadão Brasileiro. Fala da ascensão de Antonio Maciel desde sua origem pobre até a velhice. Em um determinado momento da vida, ele é prefeito de uma cidade, mas fora o cargo político, a questão política faz parte de toda a trama.
Dica: as novelas que sempre retratam políticos são as de Aguinaldo Silva e as de Lauro César Muniz (autores ainda vivo), além de Dias Gomes já falecido.
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